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A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, acirrada desde 2018, continua a redefinir o comércio global. Na última semana, o presidente dos EUA, Donald Trump, reacendeu a tensão com uma política tarifária impactante no cenário global, apelidada de "Dia da Libertação". Impôs tarifas adicionais de 10% sobre todos os produtos brasileiros.
O movimento reacende o alerta para o agronegócio nacional, setor que pode ser duplamente afetado — mas também favorecido — por essa reconfiguração de forças no tabuleiro global.
As novas tarifas impactam diretamente produtos emblemáticos do agro brasileiro, como carnes, celulose, café, açúcar, etanol e suco de laranja. Até então, esses itens entravam no mercado norte-americano com alíquotas médias de 1,5%.
Com a nova base de 10%, a competitividade desses produtos tende a diminuir — se analisado o cenário de forma isolada. Mas a medida atinge também parceiros estratégicos dos EUA, além de China e União Europeia, o que pode garantir uma competitividade líquida positiva para os produtos brasileiros e abrir espaço para um fortalecimento do país como fornecedor alternativo em outras regiões.
A China desponta como destino preferencial do agro brasileiro. Desde o início da guerra comercial, o gigante asiático redirecionou suas compras externas, privilegiando o Brasil.
Hoje, quase 70% da soja consumida pelos chineses é brasileira. O mesmo acontece com milho (51%), carne bovina (45%), aves (50%) e algodão (41%). As importações chinesas de alimentos crescem em ritmo acelerado e consolidam o Brasil como parceiro-chave no fornecimento de proteínas, grãos e fibras.
O agronegócio brasileiro já colhe e tende a obter ainda mais frutos da disputa sino-americana. No caso da soja, o Brasil reina absoluto. A produtividade crescente sustenta o domínio do país no principal item da pauta exportadora.
Para carnes bovina, suína e de frango, o cenário é promissor. Com a retaliação chinesa às tarifas norte-americanas, os embarques brasileiros podem crescer ainda mais, principalmente se houver rapidez na habilitação de plantas frigoríficas.
No milho e no algodão, os EUA podem perder espaço diante de uma oferta brasileira cada vez mais abundante e confiável.
No entanto, o suco de laranja — tradicional símbolo das exportações brasileiras para os EUA — será diretamente afetado pela nova tarifa. O setor movimenta anualmente US$ 1,2 bilhão com esse mercado. Mesmo assim, especialistas apontam que há margem para redirecionamento das vendas, sobretudo para a Ásia e a União Europeia, caso esses mercados aumentem suas compras.
O alívio vem também da lavoura: segundo a Conab, a safra 2024/25 será histórica. O Brasil deve colher 330,3 milhões de toneladas de grãos — crescimento de 10,9% em relação ao ciclo anterior.
Soja e milho lideram com 167,9 milhões e 124,7 milhões de toneladas, respectivamente. A oferta abundante pode mitigar os impactos das tarifas e reposicionar o Brasil como um fornecedor competitivo em diferentes mercados.
O momento exige mais do que produção - pede estratégia. O alerta é para a necessidade de posicionamento pragmático e diplomático.
O Brasil deve reforçar sua imagem de fornecedor estável e confiável, sem se alinhar ideologicamente a nenhum dos lados
Entre as medidas urgentes, estão o fortalecimento da diplomacia comercial, com atuação ativa de agências de promoção, da nossa diplomacia e das políticas públicas do governo federal, com foco em previsibilidade e crédito, especialmente na subvenção de juros para a produção, gargalo do setor.
Não menos urgente é o investimento em infraestrutura. Portos, ferrovias e armazenagem precisam acompanhar o ritmo da produção, todos decisivos para reduzir custos logísticos, aumentar a previsibilidade e melhorar a competitividade brasileira nos mercados internacionais.
Obras estruturantes como a pavimentação da BR-163 no Pará, a consolidação da Ferrogrão e a expansão da Ferrovia Norte-Sul, que integram regiões produtoras a portos estratégicos como os de Miritituba, Itaqui e Santos, são essenciais para o nosso crescimento.
A ampliação e modernização de corredores de exportação, especialmente nas regiões Centro-Oeste e Norte, pode conectar áreas produtivas com maior eficiência aos principais destinos globais. A construção de terminais multimodais e a digitalização de cadeias logísticas também contribuem para posicionar o Brasil como um hub estratégico no agro mundial.
A disputa tarifária entre Estados Unidos e China é mais do que um embate entre potências: é uma oportunidade rara para o Brasil ampliar seu protagonismo no comércio agropecuário global.
Cabe ao país responder com inteligência estratégica, coordenação institucional e investimentos direcionados. A história mostra que quem planta com visão colhe com vantagem. O agro brasileiro está pronto para bons resultados.
Conteúdo editado por: Aline Menezes